10 de fev. de 2010

Capítulo 1

Fugindo do desespero de encarar mais uma volta, e já entro em detalhes sobre tal catástrofe, olharei com bons olhos e acreditarei no que uma astróloga disse certa vez. Mônica dissertava sobre o planeta Urano e veio com uma que nunca mais esqueci porque achei lindo: que os trânsitos deste planeta nos faziam retornar ao que era original em nós. A volta de que falo é o quarto retorno à casa da mãe. Da minha mãe. A tentativa de casamento durou um ano, deu certo num outro sentido que não o de um casal, e cá estou eu de novo. A velha casa, o velho quarto, a velha mãe, e a velha eu. Não sendo suicídio uma opção, o jeito é olhar com bons olhos. Ainda tenho algo a aprender ali, uma pendência, algo de dentro de mim não encarado que só virá à tona se eu permanecer ali. Então, com a ajuda da Ioga, cultivarei a permanência. E que venha o que tiver de vir.


Deixar a vida anterior não foi nada fácil. O relacionamento de amor caminhou num sentido inusitado. O amor se consolidou. Ficou mais puro. Mais belo. Límpido. Real. E essa dose de realidade fez com que nos percebêssemos amigos. Ou seja, não servia ao propósito de morar juntos, dividir cama, e cada um só querer o outro. Se persistíssemos, acabaríamos por querer um outro, o que nos traria problemas que não tínhamos naquele momento. Então fomos maduros e racionais o suficiente para resolvermos nos separar. Não sem antes chorarmos, sofrermos, e empurrarmos com a barriga o que já tinha ficado claro.

Eu havia mudado de cidade. Eu haveria de mudar novamente, ou melhor, retornar. Porque embora outros lados do cenário estivessem sendo bastante satisfatórios pra mim naquela estada, não gostaria de morar naquela cidade sem um motivo muito forte como um grande amor. Não sei se felizmente, mas essa é a faceta da vida que menos entendo e que mais me faz sentido. Que mais me faz sentir. Então veio a parte chata. Aquela parte de arrumar caixas e malas, dar uma parada, olhar em volta, sentir algo não bom, suspirar, e continuar. Aquela parte quando as pessoas vão embora de um lugar num filme e antes de bater a porta olham em volta com cara de pesar. Esse é o lado cinematográfico. Têm outros. Como o da dor nas costas de abaixar para colocar os pertences nas caixas. Como o das manchas roxas que arrumei nos braços por carregar as tais para o carro. Como a correria de ajeitar tudo como pagar multas de carro para não ter problemas de ser parada na estrada. Pegar de volta os cheques de um curso que não poderia ser realizado. E o pior: ter energia comendo miojo. Era o que descia garganta abaixo naqueles dias. Tudo isso é o antes. Porque o depois disso era dirigir umas seis horas até o velho e bom futuro destino. Sem contar a hora e meia parada para que cada carro passasse no centro de uma pista alagada pela chuva.

Quando se adquire um certo ritmo devido a muitos acontecimentos fortes é difícil parar. E foi o que aconteceu. Depois desses dias e da viagem, não consegui parar de fazer coisas. Arrumei tudo no próprio dia de chegada. Porque a empregada viria no dia seguinte e eu queria tudo nos seus devidos lugares pra que ela pudesse limpar sem caixas, malas e bolsas pelo caminho. E não consegui comer. Isso de vez em quando me acontece. Trava. Então emagreço muito, o que acho ótimo. Mas as amigas dizem que mulher depois de uma certa idade não pode definhar muito porque parecerá mais velha. Concordo racionalmente, mas emocionalmente me prefiro esquálida. Seqüelas de ex-modelo. Sem falar que pareço ter menos idade do que tenho, então acho que conseguirei assim chegar ao meu real eu, o mais original em mim. E tem a mudança do quarto, ou melhor, das coisas do quarto de lugar. Tenho essa mania. Mudo tudo de lugar o tempo todo. O que quer que seja. E minha preferência vai em direção aos pesados. Os móveis. Gosto de pensar que mudo tudo de lugar porque antes mudei internamente, então preciso adequar meu ambiente à nova eu. E assim faço. E assim fiz o ano que passou inteirinho lá onde morei. Quando achava que não existia mais possibilidade de fazer diferente, surgia uma idéia que leva à outra e outra e outra. Surtos de criatividade, eu diria. Repare que estou pra cima ao escrever esse capítulo. Vendo tudo com bons olhos. O que será de mim no próximo? Porque a vida é feita de ciclos. A roda da fortuna no Tarô fala disso com muita propriedade.

Tudo arrumado nos seus devidos lugares, quarto adequado à nova eu na nova vida. Só me restava dali por diante aceitar que teriam novidades no que pra mim cheirava a passado. Como dessa vez queria voltar e não fugir do que viesse, resolvi que veria tudo com novos olhos. Pra fazer diferente. Pra fazer diferença. E quem sabe, se eu vier a sair mais uma vez, não mais voltar. Mas não deveria pensar nisso. Deveria viver o presente. De cabeça erguida. Porque quem sabe não seria ali mesmo que eu deveria ficar. Quem sabe? Alguém sabe?

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