10 de fev. de 2010

Capítulo 2

Eu precisava de resoluções cabeça pra tornar a minha nova velha vida mais objetiva. Porque se eu me permito, subjetivo tudo e vivo no mundo das idéias. Então decidi que como estava satisfeita com o que vinha galgando na última parada, continuaria o mesmo caminho por aqui. Lá havia feito um curso de costura que era um velho sonho. Não que eu tenha percebido um dom tardio, mas gostaria de continuar tentando. Como lá estava matriculada num de modelagem para esse ano, pesquisei na internet e achei um parecido no mesmo órgão que ministra cursos de todas as modalidades em várias cidades desse nosso vasto País. Matriculei-me. Lá havia feito e deixado fotos em agências para atores. Aqui, copiei o cd de fotos e já estava mandando pros velhos conhecidos produtores de elenco. Lá estava empolgada com a Ioga, aqui descobri que a indicação que tive era em meu próprio bairro. Que sorte. Ia a pé. Às sete e trinta da manhã. Nem tudo é perfeito. Lá escrevia com a intenção de um dia publicar. Aqui continuaria a dar vazão a essa criatividade que já vinha se tornando necessária. E se movimento atrai movimento, fiz minha parte. Era só continuar fazendo e dando tempo ao tempo. Pra que o papai lá do céu veja e me dê uma forcinha no sentido que ele achar mais adequado a minha mais nova e original eu.


Outra coisa muito importante e um tanto quanto mais subjetiva que desejava continuar por aqui, era não ir contra o que manda meu coração. No ano passado estive muito só o tempo todo, mas não me senti sozinha. Engraçado que no ano retrasado, quando morava onde queria, decorado como eu gostava, e num bairro que além de muito gostoso era passagem pra muitos conhecidos fazendo com que eu tivesse muitas visitas, me sentia extremamente solitária. Acho que no outro Estado tive a chance de começar a encontrar esse tal original eu. Sim, começar, porque me sinto bem perdida no sentido de entender o que achei em mim e em como continuar fazendo isso que não sei bem o que é prevalecer. Pelo menos existe a intenção. A intenção de não levar adiante o que eu esteja aborrecida de fazer. Como uma conversa, ou um programa, ou uma amizade. Me é claro que por muitas vezes nos é necessário fazermos o que não estamos tão de acordo, como fila em banco, esperar um teste, social pra algum trabalho. Mas fazemos com um objetivo em mente. Só não quero ter o desprazer de fazer algo que não gosto porque todo mundo faz e gosta. Pra ter o que fazer. Pra não estar solitária. Pra não se esquecerem de mim. Porque o feitiço vira contra o feiticeiro e é improducente, ultrajante e desrespeitoso com nosso amoroso ser. Percebo que muitas vezes faço coisas que não quero por vergonha de não fazer nada. E essa vergonha, não senti no ano que passou. Noutras porque não estou sabendo ficar comigo mesma. A idéia é persistir em me encontrar mesmo que tenha esses sentimentos. Encarar o meu vazio, porque nele pode haver respostas. Respostas para meus medos. Como o medo de começar afazer qualquer coisa e não conseguir, não dar conta. Porque não sei o suficiente. Por isso sempre precisei de tantos e tantos cursos quando muitos se jogam, aprendem com seus erros e deslancham, enquanto eu sinto medo e insegurança ficando pra trás.

Eu fui dona de casa na outra vida, coisa que sempre vi como degradante. Talvez tenha aprendido assim. Eu entendia que se o meu parceiro pagava a maioria das contas e eu estava em casa quase o tempo todo, o meu serviço seria a administração desta. E se vou comer algo feito por mim, porque não fazer pra ele também? Só se eu fosse um zero a esquerda na cozinha. Não era o caso. Tenho o que chamo de um sexto sentido nessa área, mas estou longe se ser uma chef, ou mesmo alguém de quem se lembram por seus dotes culinários. Sou apenas normal, no nível. Como em tudo o que faço. Só que isso não era o mais importante, o que me fazia ser dona de casa sem me sentir mal, era estar recebendo por meu trabalho. Estava sendo paga com amor e respeito. E acho que não devo mais dividir amor em namoro ou amizade. Simplesmente amor. Mas a limpeza era com a empregada mesmo.

Aqui já me ficou claro que cozinharei muitíssimo menos. A dinâmica é outra. Embora o freezer seja vasto. Uns com tanto e outros com tão pouco. E isso não quer dizer absolutamente nada.

Embora já estivesse na velha nova vida, ainda tinha um elo de ligação com a antiga. Eu e meu ex-parceiro nos desejávamos bom dia e boa noite todos os dias. Além de trocarmos ainda sobre algumas questões corriqueiras. Mas penso que o tempo resolveria esse apego também. Ou não, continuaríamos nos abençoando como pessoas que se querem bem. Mas eu não deixava de aguardar o dia que me esqueceria saudavelmente dessas incumbências. Desses cuidados.

Uma constatação que se arrasta do ano que passou em direção a esse, é o que venho espelhando em meu exterior. Estou falando daquilo que vemos fora como o que está dentro. Do microcosmo tal qual o macrocosmo. Falo da vida que estou enxergando como uma extensão do que está em meu interior, do que vejo sendo um com meu ser. E em matéria de amizades percebi diferenças. Em relação a algumas pessoas é bem forte o sentimento de aversão. E quando coloco dessa forma, quero salientar que o erro antes estava em mim por me permitir mais do que o que me era suportável, logo, a aversão é a mim mesma, e o outro é apenas um espelho das minhas projeções. Em relação a outras pessoas é o contrário. Elas se afastaram de mim. Outras criaram adversidades comigo. Tudo parece uma troca de pele. Uma limpeza. O mundo que vejo se adequando ao meu novo eu. O eu original.

Capítulo 1

Fugindo do desespero de encarar mais uma volta, e já entro em detalhes sobre tal catástrofe, olharei com bons olhos e acreditarei no que uma astróloga disse certa vez. Mônica dissertava sobre o planeta Urano e veio com uma que nunca mais esqueci porque achei lindo: que os trânsitos deste planeta nos faziam retornar ao que era original em nós. A volta de que falo é o quarto retorno à casa da mãe. Da minha mãe. A tentativa de casamento durou um ano, deu certo num outro sentido que não o de um casal, e cá estou eu de novo. A velha casa, o velho quarto, a velha mãe, e a velha eu. Não sendo suicídio uma opção, o jeito é olhar com bons olhos. Ainda tenho algo a aprender ali, uma pendência, algo de dentro de mim não encarado que só virá à tona se eu permanecer ali. Então, com a ajuda da Ioga, cultivarei a permanência. E que venha o que tiver de vir.


Deixar a vida anterior não foi nada fácil. O relacionamento de amor caminhou num sentido inusitado. O amor se consolidou. Ficou mais puro. Mais belo. Límpido. Real. E essa dose de realidade fez com que nos percebêssemos amigos. Ou seja, não servia ao propósito de morar juntos, dividir cama, e cada um só querer o outro. Se persistíssemos, acabaríamos por querer um outro, o que nos traria problemas que não tínhamos naquele momento. Então fomos maduros e racionais o suficiente para resolvermos nos separar. Não sem antes chorarmos, sofrermos, e empurrarmos com a barriga o que já tinha ficado claro.

Eu havia mudado de cidade. Eu haveria de mudar novamente, ou melhor, retornar. Porque embora outros lados do cenário estivessem sendo bastante satisfatórios pra mim naquela estada, não gostaria de morar naquela cidade sem um motivo muito forte como um grande amor. Não sei se felizmente, mas essa é a faceta da vida que menos entendo e que mais me faz sentido. Que mais me faz sentir. Então veio a parte chata. Aquela parte de arrumar caixas e malas, dar uma parada, olhar em volta, sentir algo não bom, suspirar, e continuar. Aquela parte quando as pessoas vão embora de um lugar num filme e antes de bater a porta olham em volta com cara de pesar. Esse é o lado cinematográfico. Têm outros. Como o da dor nas costas de abaixar para colocar os pertences nas caixas. Como o das manchas roxas que arrumei nos braços por carregar as tais para o carro. Como a correria de ajeitar tudo como pagar multas de carro para não ter problemas de ser parada na estrada. Pegar de volta os cheques de um curso que não poderia ser realizado. E o pior: ter energia comendo miojo. Era o que descia garganta abaixo naqueles dias. Tudo isso é o antes. Porque o depois disso era dirigir umas seis horas até o velho e bom futuro destino. Sem contar a hora e meia parada para que cada carro passasse no centro de uma pista alagada pela chuva.

Quando se adquire um certo ritmo devido a muitos acontecimentos fortes é difícil parar. E foi o que aconteceu. Depois desses dias e da viagem, não consegui parar de fazer coisas. Arrumei tudo no próprio dia de chegada. Porque a empregada viria no dia seguinte e eu queria tudo nos seus devidos lugares pra que ela pudesse limpar sem caixas, malas e bolsas pelo caminho. E não consegui comer. Isso de vez em quando me acontece. Trava. Então emagreço muito, o que acho ótimo. Mas as amigas dizem que mulher depois de uma certa idade não pode definhar muito porque parecerá mais velha. Concordo racionalmente, mas emocionalmente me prefiro esquálida. Seqüelas de ex-modelo. Sem falar que pareço ter menos idade do que tenho, então acho que conseguirei assim chegar ao meu real eu, o mais original em mim. E tem a mudança do quarto, ou melhor, das coisas do quarto de lugar. Tenho essa mania. Mudo tudo de lugar o tempo todo. O que quer que seja. E minha preferência vai em direção aos pesados. Os móveis. Gosto de pensar que mudo tudo de lugar porque antes mudei internamente, então preciso adequar meu ambiente à nova eu. E assim faço. E assim fiz o ano que passou inteirinho lá onde morei. Quando achava que não existia mais possibilidade de fazer diferente, surgia uma idéia que leva à outra e outra e outra. Surtos de criatividade, eu diria. Repare que estou pra cima ao escrever esse capítulo. Vendo tudo com bons olhos. O que será de mim no próximo? Porque a vida é feita de ciclos. A roda da fortuna no Tarô fala disso com muita propriedade.

Tudo arrumado nos seus devidos lugares, quarto adequado à nova eu na nova vida. Só me restava dali por diante aceitar que teriam novidades no que pra mim cheirava a passado. Como dessa vez queria voltar e não fugir do que viesse, resolvi que veria tudo com novos olhos. Pra fazer diferente. Pra fazer diferença. E quem sabe, se eu vier a sair mais uma vez, não mais voltar. Mas não deveria pensar nisso. Deveria viver o presente. De cabeça erguida. Porque quem sabe não seria ali mesmo que eu deveria ficar. Quem sabe? Alguém sabe?